sábado, 16 de maio de 2009
MIND THE GAP/Metro Londrino: os fantasmas do primeiro Mundo
MIND THE GAP
Parte 1
No outro dia no metro, voltava com cerca de 5 amigos de um concerto e surgiu uma situação curiosa. Era domingo á noite e os semblantes dos passageiros da carruagem estavam visivelmente cansados, intui como qualquer outro intuíria, que é banal estar fatigado ao final de um dia de actividades comuns de fim de semana.
Estava no entanto um casal de idosos de pé, perante uma carruagem lotada, sem mais lugares vagos. Eu sou aluado por natureza, estou sempre a entreter uma qualquer noção e perdido em multi-funções, geralmente com algum tipo de revista na mão, musica nos ouvidos e a decifrar se tenho fome e o que vai ser o jantar. Chamemos-lhe a natural alienação da vida na metrópole. Londres nesse aspecto é implacável.
Mais adiante, começamos a falar de como nós que tivemos uma educação Angolana/Portuguesa somos mais sensíveis ao próximo, e em geral mais respeitosos e gentis com os idosos, Mães, deficientes etc. nos transportes publicos.
Estudei há tempos numa cadeira qualquer, que as Comunidades Anglo-saxónicas são das mais individualistas do mundo. Em Àfrica,Grande Àsia, América Latina e a Europa na sua maioria, devido á influência combinada da religião e de estados paternalistas, somos mais colectivistas. Um dos meus amigos reparou na situação e comentou: "Ainda bem que eu não cresci aqui" mantive-me calado, mas na minha mudez também me senti aliviado por não ser tão desligado.
De facto aqui no "primeiro mundo" o Metro funciona como uma anarquia organizada, e é nessa contradição que repousa o seu fascinio. Gentes de todo mundo, étnias, tamanhos e cores a regurgitar palavras oriundas de todos os cantos do planeta. Juntemos a isto o facto de que Londres engendrou o metro e que a esta altura é demasiado pequeno e desactualizado para a quantidade de gente que a cidade atrai. Não há ventilação e o efeito sardinha nas carruagens já é dado adquirido para quem visita ou habita em Londres.inevitável. E como visitar o Sahara e não levar uma chapada de calor. Acrescentemos-lhe a "cultura individualista Inglesa", ou como diria a minha Mãe o busalismo/matumbice alienada Britânica e temos uma torre de babel ou devo dizer, metro de babel em caos organizado. Honestamente eu não sou de grandes mariquices e até curto andar de metro, mas vejo pertinência nas razões de quem odeia.
Nas sociedades de consumo, realidade cada vez mais universal, especialmente nos grandes icones: Nova Iorque, Toronto, Tokyo, Londres, nos dias de trabalho no contexto dos transportes é como se não vissemos pessoas, é como se vissemos fantasmas. Como se passassemos por vultos, objectos que nos atrapalham a rota, como obstaculos de salto numa pista de atletismo. Quando me distraio, também me comporto como um zombie e quem tá ao meu lado não existe, não interessa, como eu certamente não existo para essa pessoa, sou apenas um estorvador. Uma esmagadora maioria por necessidade entre uma minoria por gosto, corre desenfreadamente, com os seus capuccinos e cafés anesteziantes que pensam ter comprado via "fair trade" numa qualquer transnacional aldrabona nos transportes rumo á sua plantação corporativa. Sem tempo de apreciar que formato de nuvem interessante a natureza traçou nesse dia. Sem tempo de desfrutar da relva, do sol, de um sorriso ou de como tenho enfatizado de ser cordial. Enquanto humanos somos apenas falíveis daí a só nos tornarmos peritos em seja o que for a partir da repetição. Então rumo ao trabalho aqui em Londres as pessoas tornaram-se peritas em alienação, peritas em individualismo, peritas em indiferença ou como voltando a analogias familiares, diria talvez a minha Avó, peritas em fantasmagorias(no sentido em que se tornam frias, máquinas, robots, indiferentes). Eu também, de quando em vez, dou pra fantasma, portanto peço encarecidamente, se me apanharem nesses facilitismos e me reconhecerem em actos "fantasmagóricos alienados" que me espetem uma boa bofa, para que me lembre de que afinal ainda sou humano e que sem os outros, sem a sociedade, nada faz sentido.
MIND THE GAP
Parte 2
A dada altura da conversa, a namorada de um dos meus amigos perguntou-me, se tenho "educação" e não sou inglês porque é que não me levantei para dar lugar aos idosos após ter reconhecido a situação. Não me apeteceu justificar na altura, escarrapei-me com uma qualquer desculpa. Por um lado porque tinha de me explicar a um nivel filosófico, segundo porque ia gerar debate e não me apetecia e terceiro estava perto do me destino.
Passo a explicar. Em primeiro lugar olhei para a cara dos idosos e reparei que estavam relaxados a conversar e tornou-se claro pra mim que não havia ofensa, não senti ultraje por estarem a fazer o trajecto de pé sem que ninguem oferecesse o seu lugar. posso estar a ser ingénuo, afinal, não entendo a lingua deles.
Segundo lugar, acho hipócrita esse moralismo de que "eu sou melhor pessoa do que tu porque dei o meu lugar ao velho" "sou superior na condição de mais educado, na condiçaõ de ter mais modos" de onde é que vem e pra quê esse moralismo? Quando esses pequenos gestos apesar de importantíssimos em pouco ou nada mudam comportamentos ou têm relevo em termos de impacto profundo. Eu olho pra muitos desses "Super Educados Moralistas" e sinto que muitas vezes fazem as coisas:"sorrir";" "abdicar do lugar" "ser simpático ou cordial" dever por mera educação porque foram ensinados que é assim que se faz e quando o fazem, fazem-no motivados por esse gatilho. Escravos de uma noção de "suposto ser" e tornam-se actores nos seus papéis sociais. Vitimas de condicionamento. Não me interpretem mal, educaão é fundamental, todos nós somos condicionados, mas até onde é que deixamos de ser nós próprios e passamos a ser actores como se tivessemos a posar numa revista pop de publico alvo adolescente ou num filme de hollywood 24h do dia?
Prefiro uma pessoa genuína, real talk, que se carregue como é, que não passe a vida a mostrar os dentes amarelos, que me diga o que realmente sente, porque "não há nada mais bonito do que expressarmos o que sentimos", que não faça as merdas por esse sentido de responsabilidade vazio e em ultima análise inconsequente porque quando se fazem as coisas por dever não por vontade, sente-te. Essa gente "bem comportada" gosta de se fazer passar por elitista, passeia-se com excesso de formalidade e etiqueta com um pretenciosismo burguês que não já não sendo falso por repetição abundante, faz deles prisioneiros, a vida passa a girar em nome desse código de conduta, a vida passa a ser escrava dessas banalidades e perde-se a perspectiva do quadro, do sentido, que é ser espontâneo, sincero, puro e verdadeiro.Esses que sorriem pra toda gente, ajudam no metro e que gostam de apontar o dedo a quem não o faz, se calhar não é bom amigo, se calhar raramente olha pra além dos seus interesses e cogitações, e se calhar raramente se coloca numa posição de vulnerabilidade em que realmente ajuda os outros e vice-versa. A punch-line é não jugarmos o caracter dos outros a partir de banalidades.
Pra mim há que fazer a distinção entre ser livre e ser seguidista. A pessoa livre pode não sorrir á toa e ser o cumulo da benevolência a partir do seu trabalho, do que diz, do que faz, do que pensa e escreve e isso não se manifestar em pequenos gestos de etiqueta social. Essa pessoa benevolente é capaz de estar no metro e não se levantar em prole do idoso porque não se sente obrigada a fazê-lo enquanto o seguidista pode abdicar do seu lugar na superficialidade dos gestos sociais e depois chegar á cara da mulher no aconchego do lar escondido dos papéis socias.
Há uma diferença entre ter compaixão e ser apenas educado. O educado faz por dever, aquele que tem compaixão fa-lo por amor ao próximo. Portanto não sentindo compaixão eu não vou fingir que quero muito abdicar do meu lugar só para que as pessoas pensem que sou benevolente. Se tu sabes quem tu és e tas confortável com isso, não finges amor. Acho mais humano quem não se levanta do que quem se levanta ou sorri por dever.
Finalmente, há uma diferença entre ser boa pessoa e ser bem educado. Toda gente pode ser formatada a ter educação, agora ser boa pessoa, isso tem de partir de dentro.
Sinto que não vale a pena julgar quem não se levantou ou quem não passa a vida a sorrir, porque nunca se sabe, pequenas interações não definem o nosso caracter.
È engraçado que abdicando de julgamentos estupidos nos transportes publicos e em situações socias, tipo "tas a olhar pra minha namorada vamos lá fora lutar" como podemos estar mais proximos uns dos outros, ser mais puros uns com os outros, mais a vontade em sermos livres uns com os outros. As vezes levanto-me no metro, ás vezes não, depende do dia, depende da situação, da minha intuição, há dias em que tou mais fantasmagórico que outros, há dias em que sinto mais compaixão que outros, como ensina o documentario classico, há dias em que tenho o "zeitgeist" mais ligado que outros. Mas independente da forma que agir, quero fazê-lo porque quis. Temos de ser livres, senão vamos todos pra escola de teatro.
Salvamarte
Salvamarte aka Peter Pan
Para quem nunca se levanta no metro, acho que só devem continuar a fazê-lo se discordam desta frase(o que acho muito dificil):
Tolstoi "A vocação de todo homem e mulher é servir os outros"
Deixo-vos com uma das Minhas musicas favoritas de Blackstar, que entre outras coisas fala do que escrevi, especialmente no Refrão:
MOS DEF & TALIB KWELI - BLACKSTAR - THIEVES IN THE NIGHT
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